1. Contexto
Histórico: do Iluminismo à Revolução Industrial
1.1 As Academias e Manufaturas Reais
A História do Design se inicia na
Europa no momento em que os sistemas de produção começaram a se modificar e
com eles o sistema em que os artesãos eram treinados para atender a demanda
das cortes, seus reinos e suas colônias em expansão no século XVII.
Em 1664 o rei Luis XIII da França
criou a Manufatura Real de Tapeçarias e Gibelinos e em 1684 a Real Academia
de Pintura e Escultura com o objetivo de liderar nas artes e no comércio
como estratégia de crescimento e poder. O trabalho que se desenvolvia nas
manufaturas onde trabalhavam os melhores artesãos franceses era admirado
pela qualidade e beleza dos produtos. Porcelana, prataria, moveis, jardins,
tecidos, roupas, jóias, cristais, arquitetura e obras de arte francesas
marcavam as tendências estilísticas e culturais e a liderança na exportação
de objetos de luxo daquele tempo. O propósito final desta estratégia era
propagar a glória dos reis da França. Em um discurso na Real Academia de
Pintura o rei Luis XIV falou assim aos artistas e artesãos que se formavam
ali:
"Vocês podem julgar quanto vos
estimo, porquanto eu confio em vocês o assunto mais apreciado para mim,
que é minha glória"
A Real Academia da França dirigida
por Charles Le Brun mantinha uma educação que exigia a aprendizagem da
arquitetura, geometria, perspectiva, aritmética,anatomia, astronomia e
história e determinava as regras estéticas que todos deviam seguir. O
ministros do rei tinham a tarefa de supervisionar e censurar as obras que
ali se realizavam. A Real Academia supervisionava todas a manufaturas reais
sob rígidos critérios estéticos e políticos.
Por
outra parte nesse século na França surgiram também academias de livre
associação onde artistas, intelectuais e filósofos seguiam as tendências
liberais com os quais se propagaram os valores modernos de
liberdade, individualidade e independência. Este movimento chamado
Iluminismo (para Iluminar a sociedade que saía das trevas) influenciou todas
as áreas do conhecimento, abriu o caminho aos gritos libertários na América
e atraiu monarcas ao "esclarecimento".
As
cortes européias naquele tempo reuniam artistas, cientistas e filósofos para
ensinar, aprender, debater e desenvolver pesquisa como fazem as
universidades hoje. Os ventos modernos haviam começado a mudar o cenário
para a era das revoluções que desabrocharam no século XIX: a Revolução
Industrial, as revoluções de independência das colônias européias
na
América, as revoluções na arte, na ciência e na tecnologia. O mundo estava
mudando radicalmente.

Dumesnil, " A corte
da Rainha Christine de Suécia"
1,2. A Era das
Revoluções
A partir da Revolução Francesa em
1789, inspirada no movimento liberal do Iluminismo, se deu inicio à era das
revoluções. O ambiente cultural, científico e político se debatia entre o
espírito romântico e o racionalismo científico que gerou as contradições
necessárias para impulsionar às transformações em todos os âmbitos:
-
materialismo científico vs.
espiritualismo
-
razão vs. imaginação
-
natureza vista como máquina
predeterminada vs. mistério transcendental
-
comércio internacional vs.
nacionalismo e colonialismo
-
crescimento da burguesia e educação
para todos vs. exploração da classe operária
As tensões criadas por estas contradições
deram passo a três importantes revoluções: a revolução cultural, a revolução
social e a revolução dos sistemas de produção.
1.2.1. A revolução
cultural
Eugéne Delacroix e Teodore
Gericault da França, William Turner da Inglaterra, o alemão Caspar David
Friedrich e o espanhol Goya são alguns dos artistas românticos que captaram
o espírito emotivo deste tempo. Levaram a arte das regras clássicas
racionais à emoção e á imaginação, da beleza objetiva á beleza subjetiva, re-valorizaram a beleza natural e o passado medieval,
acreditaram no progresso e valorizaram as culturas exóticas e a originalidade na criação.
Goya "Os
Caprichos" , 1810
O modelo do herói romântico
inspirado na figura de Napoleão era o modelos dos jovens europeus: personalidades misteriosas,
sensitivas e incompreendidas, apaixonadas e criativas, gênios solitários e
atormentados, intuitivos, imaginativos, introspectivos, melancólicos,
pensativos e emotivos. A morte e o amor era o maior interesse da época. A
literatura, a política, a arte, a música, a filosofia, tudo ganhou um ar romântico e
audaz que reagia aos ditados da razão; á rápida industrialização e
empobrecimento da classe operária; à violência das guerras; ao nacionalismo
e á cultura do individualismo.
Voltaire,
Rousseau, Napoleão, Vivaldi, Mozart, Beethoven, Chopin, Paganini,
Baudelaire, Rimbaud, Alan Poe, Nietzsche, Simón Bolívar foram foram alguns dos heróis
românticos do século XVIII e XIX.

Antoine Gros "Napoleão"
Delacroix " Chopin" Nadar "
Baudelaire"
1.2.2. A revolução
social
A Revolução Francesa e as guerras
de independência junto as revoluções no campo das artes e da ciência levaram
a uma mudança nas relações de poder. O espírito Iluminista questionava o poder secular e religioso e postulava o conhecimento
como única fonte legitima do poder na direção das nações modernas. Não mais
por linha de sucessão de dinastias monárquicas nem pela unção religiosa, os governantes deviam ser eleitos entre as pessoas
"esclarecias". O poder era o poder do conhecimento.
Isto resultou no levantamento
contra as monarquias e as colônias e o surgimento do patriotismo
nacionalista. A classe burguesa ganhou poder através da educação e das
revoluções republicanas; mas as classes operárias e camponesas continuaram
na base da pirâmide social.

Honoré Daumier " Vagão de terceira classe" 1863
1.2.3. A Revolução
Industrial
O crescimento da burguesia tanto na Europa como nas colônias e ex-colônias
determinou o crescimento da demanda. Maior produção exigiu maior
competência entre as industrias. Desta maneira se fez necessário uma divisão
do trabalho mais efetiva na linha de produção. Os padrões tradicionais foram
sacrificados por propósitos comerciais, o que resultou em objetos menos
luxuosos e mais austeros ao alcance da classe burguesa e operária.
As fábricas necessitavam inventos
mecânicos para um funcionamento eficiente. Um invento leva a outro. Desta
maneira os grandes inventos modernos se sucederam sem parar:
os motores a vapor e com eles o trem, o barco, os carros a vapor e a
imprensa; a câmera
fotográfica, o cinematógrafo, o fonógrafo, a eletricidade e outros muitos
mais.

As ciências modernas se
desenvolveram rapidamente: a medicina, a psicologia, a arqueologia e a
química farmacêutica, a industria de tintas e outros.
A arquitetura também sofreu uma
revolução importante que foi determinada pelas mudanças sociais, econômicas
e culturais. Foram os arquitetos do século XIX que abriram o caminho do
Design a partir da relação transdisciplinar entre a indústria, a arte e a
arquitetura.
1.2.3. Rivalidade Inglaterra - França
No século XIX a
Grã Bretanha e a França competiram pelo domínio industrial e comercial. A
Rainha Vitória tinha ampliado o poder e a riqueza do Império Britânico, tinham conhecimento, tecnologia e
poder. Mas havia
uma coisa que eles não tinham: a beleza do design francês. A França se
encontrava debilitada pelas guerras e intrigas napoleônicas e as constantes
revoltas revolucionárias, ainda assim as Academias Reais continuaram a
formar artistas e artesãos com a mesma exigência e as Manufaturas Reais continuaram a
produzir peças de design de grande valor estético. Em 1830 existiam 80
academias de arte na França.
Os ingleses preocupados com a
liderança estética e cultural francesa investiram em academias para
artesãos, mas os formavam separados dos artistas, como os alemães, que
contavam com escolas de formação artesanal gratuita para a classe operária.
Os ingleses e alemães tinham então uma formação técnica enquanto os
franceses tinham uma formação artística.
Neste espírito competitivo os
ingleses organizaram em 1851 a primeira Exposição Universal chamada "A
Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria das Nações do Mundo". Por
primeira vez artistas, arquitetos, cientistas e comerciantes exibiram,
discutiram e promoveram seus produtos. A Grande Exposição Universal de
Londres foi um marco histórico para o design porque reunia em um só lugar
todas os conhecimentos que no século XX deram origem a primeira escola de
design. Para albergar os expositores Joseph Paxton desenhou o Palácio de Cristal.
O edifício, feito com estruturas pré-moldadas de ferro e
de vidro, foi uma das maiores obras arquitetônicas da história não só pela
grande beleza das suas formas e da sua transparência, mas porque constituía
maior revolução arquitetônico desde Roma.

Gravura anônima do Palácio de
Cristal de Joseph Paxton, 1851



Gravuras anônimas de
imagens externas e internas da Exposição Universal de Londres
As estruturas de ferro
possibilitaram grandes construções que fossem leves e que inclusive pudessem
ser montadas e desmontadas. O ferro das máquinas se espalhou nas obras
arquitetônicas e na vida urbana da Europa do século XIX.

O Palácio de Cristal foi desmontado
depois da exposição, mas uma outra obra grandiosa da era do ferro ficou: a
Torre Eiffel, de Alexandre Gustave Eiffel foi erigida com uma estrutura de
ferro pré-moldado como foi o Palácio de Cristal de Londres para marcar em 1889 a 8ª
Exposição Universal em Paris. A torre devia ser desmontada depois da
exposição, mas permanece até hoje como símbolo da modernidade.

Foram 9 exposições universais no século
XIX, 12 no século XX e 4 neste século. A história do design se configurou a
partir deste intercambio internacional e interdisciplinar.
Fontes:
BURDEK, Bernhard E. Diseño:
Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo
Gili, 1994..
ARGAN, Giulio
Carlo. Historia da Arte Moderna, do Iluminismo aos Movimentos
Contemporâneos Companhia das Letras, São Paulo, 1992.
EFLAND, D. Arhur. A History of Art
Education. New York: Teachers College Press, Columbia University. 1990.